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Artigos Originais

Relato de experiência de Mentoring em estudantes da área da saúde: repercussões e dialética

Experience reportot of Mentoring in health students: repercussion and dialetic

Larissa Cruvinel Leite, Larissa Vitoria Dornelas, Laura de Souza Bechara Secchin, Renata Araújo Campos Dall’Orto

1. Estudante do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, FCMS/JF, Brasil. E-mail:larissacruvinelleite@gmail.com
2. Estudante do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, FCMS/JF, Brasil. E-mail:dornelaslarissav@gmail.com
3. PhD, Professora Assistente, Coordenadora do Programa de Mentoring da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, FCMS/JF, Brasil. E-mail: laura.bechara@suprema.edu.br
4. Psicóloga do Núcleo de Apoio ao Discente e ao Docente (NADD) Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, FCMS/JF, Brasil. E-mail: nadd@suprema.edu.br

Recebido em 09/02/2021
Aceito em 30/05/2021

Resumo

INTRODUÇÃO: A saúde mental do estudante de graduação tem sido motivo de preocupação nas instituições de ensino superior (IES). Com o objetivo de promover uma formação integral e minimizar esses problemas, algumas estratégias têm sido oferecidas pelas IES, como os programas de Mentoring.

OBJETIVO: Relatar a experiência de um programa de Mentoring, em desenvolvimento há 6 anos, entre estudantes da graduação da área da saúde, em uma instituição privada. Relato de Experiência: O Programa de Mentoring da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (FCMS/JF – Suprema) começou a ser implementado, de forma gradativa em 2016 como obrigatório e homogêneo em termos de período e curso. Em 2019 foi realizada uma reestruturação do programa que passou a ser opcional e composto por estudantes de diferentes períodos. No ano de 2021, em um contexto pandêmico, foi inaugurado o e-Mentoring na Instituição.

DISCUSSÃO: O Mentoring pode ser uma intervenção preventiva, auxiliando o estudante a reconhecer as suas fragilidades e fortalezas em sua vida acadêmica e posterior vida profissional. Por meio desta estratégia, o mentor, referência para o discente, pode relatar sua própria experiência que pode ser similar à vivenciada pelo jovem estudante, e juntos desenvolver objetivos de enfrentamento dos aspectos relatados durante os grupos de mentoria e acompanhamento das demandas ao longo dos encontros.

CONCLUSÃO: O modo de organização do Programa, o ambiente do Mentoring, o perfil do mentor e o suporte institucional são condições importantes a serem consideradas para que o programa seja uma ferramenta de suporte efetiva aos envolvidos no processo.

Palavras-chave: Tutoria; Orientação profissional; Estudantes de Ciências da Saúde; Educação médica.

 

INTRODUÇÃO


A saúde mental do estudante universitário, em geral, tem sido motivo de preocupação no contexto das instituições de ensino por apresentar grande prevalência de estresse, ansiedade, depressão, risco de suicídio e baixa qualidade de vida, tornando-se um problema no campo da saúde e podendo afetar o desempenho acadêmico(1,2).


Muitos são os fatores, tanto individuais como institucionais, que podem influenciar neste cenário. Em nível individual, pode ser citado o estresse do processo seletivo, o final da fase da adolescência, o mudar-se de casa e separar-se dos pais, a privação de sono, o consumo de álcool e outras drogas, além de transtornos mentais pré-existentes. Já em nível institucional, o novo ambiente acadêmico, a metodologia de ensino-aprendizagem, o sistema avaliativo, a competitividade e a estrutura curricular constituem elementos desse contexto(2).


Desta forma, as Instituições de Ensino Superior (IES) têm pensado na importância da formação integral de seus estudantes enquanto indivíduos críticos, reflexivos, com característica humanista e éticos, com habilidades de comunicação nas relações interpessoais, baseado nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN, 2001) para os cursos da área de saúde. Assim, com o objetivo de promover esta formação e minimizar os problemas de saúde mental da população universitária, algumas estratégias têm sido oferecidas pelas IES, como os serviços de saúde mental com apoio psicológico, psiquiátrico e pedagógico, e até intervenções mais amplas, dirigidas ao desenvolvimento global do estudante, como os programas de Mentoring(3-5).


O Mentoring tem como proposta a relação de uma pessoa mais experiente (o mentor) com um jovem iniciante na sua jornada, estimulando e orientando o mesmo no caminho do desenvolvimento pessoal e profissional, utilizada no contexto acadêmico e treinamento profissional, que pode acontecer de maneira espontânea e informal ou de maneira formalizada e sistematizada(4). Apesar de o Mentoring ser uma estratégia bastante reconhecida na prática educacional como uma intervenção no ambiente de aprendizado, alguns estudos apontam para baixa evidência científica, provavelmente pela heterogeneidade das abordagens descritas na literatura(4-5).


Durante a pandemia da COVID-19, os países adotaram medidas de distanciamento social para conter a propagação do vírus, que afetaram negativamente a saúde mental da população. No Brasil, essas medidas implicaram na suspensão das atividades acadêmicas presenciais a partir de março de 2020. O aprendizado continuou através do ensino remoto emergencial, com a utilização de plataformas digitais para tal finalidade. Nesse contexto, houve um aumento do sofrimento psíquico evidenciado pelo fenômeno de Burnout e uma diminuição do interesse com os estudos(6). O Mentoring pode ser uma possibilidade de recurso a ser utilizado no apoio acadêmico à distância, à medida que valoriza as relações e a troca de experiência dos envolvidos, bem como a comunicação(4).


Procurando fomentar a aplicação do Mentoring e refletir sobre seu papel na formação acadêmica, o objetivo do presente estudo é relatar a experiência de um programa de Mentoring, em desenvolvimento há 6 anos, entre estudantes da graduação dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina e Odontologia.


 


RELATO DE EXPERIÊNCIA


O presente estudo descritivo trata do tipo relato de experiência, a respeito de um Programa de Mentoring da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde (FCMS/JFSUPREMA), Instituição de Ensino Superior privada fundada em 2002, que apresenta uma proposta curricular de modelo de ensino híbrido com aulas expositivas juntamente a metodologias ativas de ensino-aprendizagem: Problem Based Learning (PBL), Objective Structured Clinical Examination (OSCE), Team Based Learning (TBL) e JIGSAW.


O relato foi estruturado a partir da explanação dos estudantes e professores, registrada em fichas de avaliação do Programa, que foi inaugurado em 2016 e ainda está em andamento. A realização do estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição, sob o número CAAE 43408621.8.0000.5103.


O programa de Mentoring começou a ser implementado de forma gradativa em 2016, a partir do primeiro período de todos os cursos oferecidos pela Instituição Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina e Odontologia O objetivo do acompanhamento do Programa é apoiar a vida acadêmica do estudante durante a graduação; desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes do discente; desenvolver vínculo mais próximo, intenso e institucionalizado entre professores e estudantes; identificar problemas na formação, permitindo assim um encaminhamento mais imediato para a solução adequada, como por meio do Núcleo de Apoio ao Docente e Discente (NADD) da Instituição.


Inicialmente, os professores da FCMS/JF-SUPREMA foram capacitados para desempenhar a função de mentor e essas capacitações ocorrem de forma periódica, a cada início de semestre, por meio de oficinas, world café e outras formas ativas e reflexivas. No princípio, a atividade do Mentoring configurava-se como indispensável e institucional; os acadêmicos eram divididos em grupos de 10 a 12 estudantes, com um professor mentor responsável, que lhes daria suporte e orientação durante toda a graduação, de forma longitudinal, desenvolvendo um vínculo mais próximo e institucionalizado.


Os grupos eram compostos por alunos do mesmo curso e período da graduação, formados aleatoriamente, e o sistema era operacionalizado pela secretaria do Programa. Os encontros aconteciam três vezes por semestre (totalizando seis encontros por ano), com horários e locais pactuados entre mentores e estudantes, sendo obrigatória sua participação. Nesses encontros, eram abordadas questões acadêmicas a partir das demandas dos próprios alunos. O mentor deveria registrar e descrever a reunião em um relatório e a secretaria fazia o controle da frequência do Programa a partir deste relatório, que era assinado por mentores e estudantes.


Para o alcance dos objetivos propostos, foram estabelecidas estratégias que contavam com o trabalho de quatro instâncias principais: coordenação, professores-mentores, estudantes e secretaria do Programa. A secretaria é responsável por viabilizar, avaliar e aperfeiçoar o mesmo diuturnamente. Neste intento, ao fim do semestre, foi distribuído um instrumento de avaliação aos discentes para que relatassem as fragilidades e as fortalezas da experiência. Como fortaleza, nesse período, notou-se o estabelecimento de um vínculo sólido e de confiança entre o mentor e seus estudantes, além da oportunidade de troca entre colegas e professores, como meio de proporcionar acolhimento e orientação, e uma adesão de 75% dos professores para a capacitação do Programa. Como fragilidade, podemos listar o não comparecimento de alguns estudantes aos encontros agendados; o não cumprimento do cronograma prévio por alguns professores e o não preenchimento da ficha do estudante (registro dos encontros), com relatos da necessidade de melhor programação das datas das reuniões.


Nessa fase, estiveram envolvidos no processo 85 professores mentores e 822 estudantes. Porém, a partir do segundo semestre de 2019, tendo por base informações obtidas em estudo realizado por Secchin et al(5) para avaliação do efeito da implementação do Mentoring na Instituição, notou-se que não havia diferença significativa nos estudantes inseridos no Programa e que a adesão era baixa, identificando a necessidade de mudanças. Dessa forma, foi realizada uma reestruturação do Programa que, a partir do segundo semestre de 2019, tornou-se atividade facultativa aos estudantes, que deveriam realizar inscrição para demonstrar interesse na participação.


No ato da inscrição, o estudante deveria escolher até três nomes de mentores disponíveis no site da Instituição, para acompanhá-lo naquele semestre. Cada professor seria responsável por um grupo heterogêneo (períodos diferentes de graduação, porém mesmo curso) de 10 a 12 alunos que o escolheram como seu mentor. Os estudantes que já participavam do Programa anteriormente tiveram prioridade em manter o seu mentor, caso desejassem. Ao final do semestre, o estudante que cumprisse a frequência de 100% dos encontros do Mentoring, receberia uma declaração de participação com carga horária de 10h para fins de Atividade Complementar e deveria preencher uma ficha de avaliação com autoavaliação, avaliação do processo e avaliação do mentor.


Nesse segundo momento (2019), a atividade facultativa do Mentoring contou com a participação de 49 docentes e 368 discentes, e observou-se aumento proporcional de adesão tanto dos alunos quanto dos professores. Porém, nesse novo modelo, a heterogeneidade dos grupos, compostos por estudantes de diferentes períodos da graduação, com grades horárias distintas, criou o desafio de agendar reuniões em que todos os estudantes pudessem comparecer simultaneamente, e não havia um momento protegido na grade curricular para realização do Mentoring, dificultando o funcionamento do mesmo.


No primeiro semestre de 2020, com a interrupção das aulas presenciais conforme orientações dos órgãos competentes para prevenção da COVID-19, o Programa foi suspenso, sendo retomado ao período referente ao segundo semestre do mesmo ano (2020/2). Assim, em 2021, com a conjuntura da pandemia do novo Coronavírus, os estudantes que ingressaram na Instituição, neste ano, tiveram inscrição feita de forma automática no programa de Mentoring, e realizaram reuniões através da mesma plataforma digital utilizada para apresentação de aulas de forma remota. O objetivo principal nesse momento é a maior integração e acolhimento do estudante com o novo ambiente acadêmico em que se encontra. Com uma interação mais próxima entre o docente e o discente, o estudante tem alguém para atuar como facilitador e um canal de comunicação entre ele e a Instituição. O mentor acolhe ativamente o seu orientando no ingresso à graduação, tendo em vista a complexidade de situações vivenciadas nesse contexto, somadas à mudança de modelo de ensino-aprendizagem, e o acompanhará no primeiro ano de faculdade. A partir daí, o Mentoring será uma atividade oferecida aos estudantes como atividade opcional. Esse novo modelo ainda não foi avaliado, mas inaugura uma terceira fase do programa de mentoring com o modelo de Mentoring virtual ou e-Mentoring.


 


DISCUSSÃO


Este relato buscou compreender a experiência dos estudantes e professores no Programa de Mentoring, desde a sua entrada na graduação, por meio dos registros nas fichas de avaliação do Programa e estudo de Secchin et al.(5), que foi inaugurado em 2016 e encontra-se em andamento. Como fortaleza, observamos um aumento da frequência, indicando interesse dos estudantes e dos professores mentores. Por outro lado, temos desafios que permeiam a prática do Mentoring, indicando, em alguns momentos, a necessidade de mudança, reflexão e adaptações à realidade vivenciada.


No âmbito acadêmico, a transição dos estudantes para o ensino superior é descrita como uma das fases mais estressantes da graduação, repleta de novidades e com desenvolvimento psicossocial imaturo em vigor. Uma vez que o estilo de vida estressante se mantém mesmo após à formatura, a graduação é uma janela crítica para o desenvolvimento e utilização de estratégias de enfrentamento funcionais e eficazes no controle de problemas de saúde mental(7).


Desta forma, reconhecer a existência do sofrimento mental dos discentes pode auxiliar o docente na identificação e no encaminhamento aos serviços de apoio presentes na IES. Os encontros de Mentoring, um dos momentos em que o estudante pode se sentir à vontade para relatar sobre seus aspectos de vida pessoal e profissional, podem possibilitar intervenções preventivas e promotoras de saúde. Ao trazer perspectivas com relação a ele enquanto estudante, posterior egresso, e seu enfrentamento futuro no mercado de trabalho, pode possibilitar que ele aprenda, desde a graduação, a cuidar de si (com profissional especializado) para cuidar do outro, em seu caminho laboral.


Nesse sentido, estudos de revisão demonstraram que o Programa de Mentoring pode proporcionar aos estudantes melhor capacidade de comunicação e de enfrentamento às adversidades, um aumento no senso de responsabilidade, além de reduzir o estresse e o risco de burnout(2,5). É uma das intervenções preventivas, que pode auxiliar o estudante a reconhecer as suas fragilidades e fortalezas em sua vida acadêmica e posterior vida profissional.


Por meio desta estratégia, o professor-mentor, referência para o discente, poderá relatar sua experiência e trazer à tona questões que estejam sendo vivenciadas pelos discentes, semelhantes ao que ele presenciou em seu período de graduação. Dessa forma, juntos poderão construir estratégias de enfrentamento dos aspectos relatados durante os grupos de Mentoring e acompanhamento das demandas ao longo dos encontros.


O Mentoring, modalidade especial de apoio acadêmico, é uma ferramenta dinâmica, em tempo integral, com liberdade para abordagem de temas relacionados ou não à grade curricular, em que ambas as partes definem e redefinem suas atribuições; e no ato de troca, aprendem, reaprendem e ensinam; o que confere grande relevância ao método(4).


No modo de organização do Programa, existem variâncias, de forma que Frei et al. classificou a tutoria/mentoring em: de grupos, de pequenos grupos, um-para-um, peer-mentoring e mista (mescla das demais classificações). Na de grupos, os alunos possuem perfil profissional similar, o profissional é capacitado, mas, não necessariamente, ocupa posição de destaque na carreira; já a de pequenos grupos apresenta até oito aprendizes, com resultados mais satisfatórios quando a equipe é coesa e os envolvidos já se conhecem. A tutoria um-para-um ou “dyadic mentoring”, demanda um especialista renomado e avança, simultaneamente, à evolução do aprendiz. No peer-mentoring, os estudantes veteranos assessoram estudantes no início do curso, a priori, possuem menores discrepâncias de poder, o que propicia pessoalidade (7).


Esse modelo de peer-mentoring foi descrito como “pares de estudantes” por Akinla et al., que demonstraram que essa forma de mentoria permite uma facilitação do compromisso para o crescimento profissional à medida que o mentor ajuda seus colegas. Nesse molde, o professor serve apenas como um facilitador do processo, como comentor(8). Essa seria uma terceira opção de remodelação do nosso programa, mas que ainda não pôde ser efetivada devido ao pouco tempo de atividade e ao contexto de pandemia pelo novo coronavírus.


No mesmo panorama, tem-se o e-Mentoring, tutoria virtual, que já constituía uma realidade em voga, com avaliações positivas por ambos os envolvidos, principalmente pelo menor dispêndio de tempo e que nesse momento tende a ganhar destaque. Deve-se levar em consideração que a aprendizagem digital tem levado a deterioração da saúde mental dos estudantes, intensificado pelo contexto da pandemia e isolamento social experimentado no ano de 2020, ocasionando distúrbios como estresse agudo, estresse emocional, irritabilidade insônia e transtornos do humor.


O estudo de Zis et al. mostrou que a aprendizagem digital em estudos médicos pode trazer riscos significativos para os estudantes, à medida que deteriora não só à saúde mental, mas também aumenta os níveis de cinismo, impactando a formação profissional. As IES devem estar cientes dos efeitos prejudiciais sobre os estudantes para pesar os riscos na implementação de educação digital. Dessa forma, e devido aos fatores de estresse inerentes aos cursos da saúde, as escolas médicas devem oferecer serviços de saúde mental de fácil acesso(6). Neste sentido, o Mentoring pode ser uma estratégia de prevenção e possibilitadora de formação, ainda que virtual, já que é o possível neste momento por causa das medidas de isolamento recomendadas, assim sustentando um espaço de reflexão e elaboração das adversidades vivenciadas. Em nossa experiência, inicialmente o Programa será oferecido de forma virtual para o primeiro ano da graduação, com o objetivo de integrar o estudante ao ambiente acadêmico.


O ambiente do Mentoring deve ser seguro e permitir o desenvolvimento de relações de confiança para um franco intercâmbio de ideias entre o profissional e o estudante. O Mentoring tem uma natureza entrelaçada, de forma que o sucesso dessa troca depende de esforços não só do estudante, mas também do mentor, de toda a organização do Programa e da Instituição(9).


O mentor de um grupo é um profissional formado e capacitado para tal, atuando sem autoritarismo. Este, não desempenha função de avaliador, influi na formação da identidade profissional do aprendiz, por estímulo à inteligência crítica, à independência e à reflexão, e deve, também, ofertar apoio de ordem pessoal(9). O restrito número de mentores preparados ainda configura uma limitação e um desafio. Essa preparação diz respeito ao desejo de estar junto e de transmitir suas vivências aos orientandos, bem como “se” oferecer às demandas que emergem no grupo, de modo inter-relacional.


A revisão de Sng et al. mostrou que um quinto das relações de mentoria são desfeitas por ano, e isso pode ser atribuído à dificuldade dos programas de Mentorig em assumirem uma perspectiva holística ampla das relações e não abordarem fatores profissionais e psicossociais de forma conjunta. Além disso, carece de sabedoria para acessar as capacidades, os valores, as crenças e objetivos do estudante e aproveitar de forma eficaz os recursos disponíveis para que as suas necessidades sejam atendidas(9).


Em relação às outras limitações, segundo Jackson et al., para que o Mentoring seja uma experiência mais proveitosa, é necessário “the right chemistry”, devendo o aprendiz buscar o mentor com maior compatibilidade e identificação, porém ao startar do projeto na Instituição, tal atributo não foi considerado, sendo os grupos determinados, aleatoriamente, pela secretaria, sem considerar o interesse das partes. Vale ressaltar que para a segunda fase do Programa, tal quesito foi modificado(10).


A Instituição por sua vez, deve dar o suporte e as ferramentas necessárias para cumprir o programa, o que poderia ocorrer na forma de um tempo protegido na grade curricular para realização do trabalho de Mentoring(4). Como atividade centrada no estudante e que visa beneficiá-lo, o comprometimento e a proatividade deste é peça fundamental, sendo colocado por alguns autores que o Programa merece, e deve, receber o mesmo grau de importância das demais atividades curriculares(3,9,10).


Isso posto, entende-se que para melhor compreensão da prática do Mentoring é necessário desenvolver métodos mais robustos e específicos para estudar todas as abordagens desta prática. Além disso, deve-se estudar o papel da Instituição nesta atividade e a impressão dos professores em relação ao método, fatores negligenciados em muitos estudos(3,9,10).


Bellodi PL et.al consideram que a satisfação dos mentores, está, diretamente, relacionada ao envolvimento do discente. De certa forma, quando este tem alguém como autoridade, a quem dar satisfação, tende a cumprir mais a meta pré-estabelecida, mas não significando um envolvimento com o processo(3).


Quanto à avaliação do Programa, uma dificuldade encontrada está na mensuração de certas habilidades e no fato de os estudos não medirem o conhecimento adquirido ou as novas habilidades propiciadas pelo Mentoring, como confiança e compromisso. Nesse contexto, torna-se necessário realizar estudos longitudinais, até mesmo no momento de desenvolvimento profissional, para analisar a persistência, a longo prazo, dos benefícios adquiridos na atividade. Porém, isso é um desafio por ser oneroso e de difícil realização(9).


 


CONCLUSÃO


O sucesso da relação tutor-aprendiz (ou mentor-estudante) e, consequentemente, do Programa de tutoria (ou Mentoring) requer ativa participação de ambas as partes, num ambiente de igualdade, liberdade e responsabilidade, numa parceria de aprendizagem e desenvolvimento recíprocos. Além da relação, o modo de organização do Programa tais como o ambiente do Mentoring, o perfil do mentor e o suporte institucional são condições importantes a serem consideradas para que o Programa seja uma ferramenta de suporte efetiva aos envolvidos neste processo.


 


REFERÊNCIAS


1. Backhaus I, D’Egidio V, Saulle R, Masala D, Firenze A, De Vitto E, et al. Health-related quality of life and its associated factors: results of a multi-center cross-sectional study among university students. J Public Health (Oxf) 2019; 42(2):285-93.


2. Moutinho IL, Maddalena NC, Roland RK, Lucchetti AL, Tibiriçá SH, Ezequiel OD, Lucchetti G. Depression, stress and anxiety in medical students: A cross-sectional comparison between students from different semesters. Rev Assoc Med Bras 2017; 63(1):21-8.


3. Bellodi PL, Martins MA. Tutoria: mentoring na formação médica. 1ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2005.


4. Tan YS, Teo SWA, Pei Y, Sng JH, Yap HW, Toh YP, Krishna LKR. A framework for mentoring of medical students: thematic analysis of mentoring programmes between 2000 and 2015. Adv Health Sci Educ Theory Pract 2018; 23(4):671-97.


5. Secchin LSB, Ezequiel OS, Vitorino LM, Lucchetti ALG, Lucchetti G. Implementation of a Longitudinal Mentorship Program for Quality of Life, Mental Health, and Motivation of Brazilian Medical Students. Acad Psychiatry 2020; 44(2):200-4.


6. Zis P, Artemiadis A, Bargiotas P, Nteveros A, Hadjigeorgiou GM. Medical Studies during the COVID-19 Pandemic: The Impact of Digital Learning on Medical Students’ Burnout and Mental Health. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(1):349.


7. Frei E, Stamm M, Buddeberg-Fischer B. Mentoring programs for medical students: a review of the PubMed literature 2000-2008. BMC Med Educ 2010; 10:32.


8. Akinla O, Hagan P, Atiomo W. A systematic review of the literature describing the outcomes of near-peer mentoring programs for first year medical students. BMC Med Educ 2018; 18(1):98.


9. Sng JH, Pei Y, Toh YP, Peh TY, Neo SH, Krishna LKR. Mentoring relationships between senior physicians and junior doctors and/or medical students: A thematic review. Med Teach 2017; 39(8):866-75.


10. Jackson VA, Palepu A, Szalacha L, Caswell C, Carr PL, Inui T. “Having the right chemistry”: a qualitative study of mentoring in academic medicine. Acad Med 2003; 78(3):328-34.

 

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