Número: 11.11 - 8 Artigo(s)

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Artigos Originais http://www.dx.doi.org/10.5935/2674-7960.v11-0004

A Terapia por Pressão Negativa como Método Adjuvante no tratamento de feridas complexas: Uma Revisão Sistemática

Negative Pressure Therapy As An Adjuvant Method In The Treatment Of Complex Wounds: A Systematic Review

Elba Soraya Magalhães da Luz1; Izis Leite Maia de Ávila2; Yuri Navega Vieira3; Rafael David Souto de Azevedo4

1. Acadêmica de Medicina pela Universidade de Pernambuco/Campus Garanhuns. E-mail: elba.soraya@hotmail.com
2. Acadêmica de Medicina pela Universidade de Pernambuco/Campus Garanhuns
3. Acadêmico de Medicina pela Universidade de Pernambuco/Campus Garanhuns
4. Doutor em Ciências Biológicas - Pós-Doutorando em Oncologia Celular na Universidade de Pernambuco/Campus Garanhuns

Recebido em 06/02/2023
Aceito em 31/05/2023

Resumo

INTRODUÇÃO: Fundamentação: O uso de curativos em associação à Terapia por Pressão Negativa (TPN) é um método adjuvante para o tratamento das feridas complexas por acelerar a dinâmica da cicatrização. A evolução de uma ferida de difícil terapêutica aumenta o tempo de hospitalização, eleva os custos e produz taxas superiores de mortalidade, configurando um embate para os portadores, profissionais e gestores de saúde.

OBJETIVO: O objetivo desse estudo é elucidar a eficácia da Terapia por Pressão Negativa no manejo de feridas complexas, destacando seus mecanismos de ação, indicações terapêuticas e benefícios.

MÉTODOS: Foi realizada revisão na base de dados Pubmed, SciELO e Biblioteca Virtual em Saúde - BVS, em artigos publicados entre 1997 e 2020.

RESULTADOS: O mecanismo de ação da TPN envolve diversos meios, dentre eles: efeitos físicos, como o aumento da perfusão, redução das dimensões da injúria e depuração bacteriana, controle do edema e do exsudato; e biológicos, como o estímulo à formação de tecido de granulação e redução da resposta inflamatória local. As principais indicações da TPN são as feridas complexas, como feridas traumáticas, enxertos de pele, úlceras por pressão, deiscências de ferida operatória, queimaduras e prevenção de complicações em incisões fechadas.

CONCLUSÃO: Com o uso do vácuo, observa-se a formação mais precoce do tecido de granulação e fechamento mais rápido em comparação aos demais utilizados no mesmo tipo tratamento. De fato, é uma técnica simples, de fácil aplicação e bem tolerada pelos pacientes. Adicionalmente tem-se demonstrado que a TPN apresenta baixas complicações, proporciona altas precoces e economiza recursos.

Palavras-chave: Cicatrização; Ferimentos e Lesões; Revisão; Tratamento de Ferimentos com Pressão Negativa; Vácuo.

 

INTRODUÇÃO


Fundamentação


Apesar de serem estudadas desde a Antiguidade, as feridas ainda representam um importante desafio aos profissionais de saúde. Os egípcios, em 2000 a.C. e posteriormente os gregos em 500 a.C., por exemplo, foram os pioneiros no uso de procedimentos de drenagem. Os egípcios demonstraram que uma ferida fechada cicatrizava mais rápido do que uma ferida aberta e utilizavam tiras de pano para manter unidas as margens da lesão. Já Hipócrates recomendava que as feridas fossem mantidas limpas e secas, preconizando a sua limpeza com água morna, vinho e vinagre.(¹)


Define-se ferida como uma disrupção da integridade cutânea, o que acaba por englobar nas etapas de sua cicatrização processos dinâmicos e de vários níveis de organização temporal ou sequencial e funcional, com a interação entre células e sistemas mensageiros.(2) Neste sentido, as lesões que acometem extensas áreas corpóreas necessitam de métodos especiais para sua resolução e têm seu processo de evolução imprevisível, ou ainda, representam ameaça à viabilidade de um membro ou à própria vida, dessa forma, são denominadas feridas complexas.(3) O conhecimento atual sobre o problema sinaliza que as feridas complexas comumente elevam as taxas de morbimortalidade, aumentam os custos globais do tratamento (insumos e recursos humanos) e acarretam maior tempo de hospitalização.(4) Nesse contexto, em virtude da dificuldade em se obter resultados aceitáveis no tratamento das feridas complexas, Argenta e Morykwas introduziram comercialmente em 1997, após longos estudos, a utilização da Terapia por Pressão Negativa (TPN) (Vacuum Assisted Closure - V.A.C.® - KCI, USA) como método auxiliar para tratamento de feridas.(5) Este, por sua vez, ainda apresenta-se como um dos principais métodos adjuvantes na intervenção contra feridas complexas.


 


OBJETIVO


Portanto, a finalidade dessa revisão é, através de uma pesquisa detalhada da literatura, compreender e elucidar os principais mecanismos de ação da TNP, bem como discutir os variados modos de aplicabilidade e os benefícios trazidos pela utilização dessa terapia em feridas de alta complexidade.


 


MÉTODOS


O estudo em questão trata-se de uma revisão da literatura. Sob tal ótica, a descrição do conteúdo e a busca empírica foi pautada com o fim de prover o máximo de informações relevantes para a compreensão do processo de revisão, característica particular da prática baseada em evidências. Dito isso, a elaboração do estudo inclui: definição do objetivo; tipo de estudo; estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão para a seleção da amostra; definição das informações a serem extraídas dos artigos selecionados; análise, e discussão dos resultados, englobando os variados modos de aplicabilidade e os benefícios trazidos pela utilização da TPN em feridas de alta complexidade.


A seleção dos materiais ocorreu em agosto de 2020 por três pesquisadores, simultaneamente. Para a coleta dos dados, as plataformas virtuais PubMed, através do Mesh Database, SciELO (Scientific Electronic Library Online) e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) foram consultadas a partir da combinação dos seguintes descritores e palavras-chaves selecionados nas próprias bases de dados: PubMed: ((negative pressure) AND (complex wounds) AND (treatment)); Scielo: (((negative pressure) AND (complex wounds) AND ((therapy) OR (treatment))); e BVS: (((negative pressure) AND (complex wounds) AND ((therapy) OR (treatment))).


Os critérios de inclusão definidos foram: estudos primários disponíveis integralmente, metanálises, estudos retrospectivos e prospectivos e relatos de caso e de experiência, publicados a partir de 1997, em português, inglês e espanhol. Já como critérios de exclusão, optou-se pela retirada de publicações que não utilizavam o termo “terapia por pressão negativa” ou “feridas” no título, resumo ou palavras-chave, publicações incompletas e resumos (TABELA 1). Ao final dessa etapa, as publicações foram incorporadas ao processo de leitura, para definir a inclusão ou exclusão, e o montante foi documentado (TABELA 2). Os trabalhos que não versavam especificamente sobre o tema foram excluídos. Sobre a amostragem que tratava diretamente da TPN, a leitura deu-se até atingir uma repetição razoável do conteúdo, sem que houvesse o acréscimo de matéria indispensável.


 



 


 



 


RESULTADOS E DISCUSSÃO


Estratégias de intervenção e materiais utilizados na TPN


Comumente, a TPN objetiva conservar uma pressão subatmosférica no local da ferida por meio da aplicação de diferença de pressão. Esse processo é realizado por uma bomba elétrica sobre um curativo ocluso por membrana. O curativo pode ser de espuma ou gaze, onde um lado encontra-se em contato com o leito da ferida de forma a cobrir toda a sua extensão, enquanto no outro é aplicado a pressão subatmosférica, resultando no exsudato removido. Ainda, para preservar a ferida do meio externo, essa interface é revestida por uma película adesiva transparente. Por meio da conexão de um equipamento computacional a um tubo de sucção com acesso ao exsudato do sistema referido, é possível coordenar a pressão negativa no leito da ferida que é ajustada de 50 a 125 mmHg e efetuada de forma contínua, intermitente ou associada com instilação de soluções.(3)


Nesse sentido, é preciso um aporte físico-histológico apropriado que sustente as respostas envolvidas na proliferação celular e, felizmente, a aplicação da pressão negativa em uma ferida provoca uma deformação do citoesqueleto celular que pode substituir a perda da integridade tissular por uma base estrutural requerida para a estimulação de tal evento.(6) A força de aspiração produzida pelo vácuo sobre a ferida remove o excesso de fluido no espaço intersticial, o que culmina em redução do edema e remoção das metaloproteinases e citocinas pró-inflamatórias, restaurando, assim, o fluxo vascular e linfático. O aumento dos capilares no leito da ferida, juntamente com a deposição de tecido conjuntivo, estimula a formação do tecido de granulação com nutrientes fundamentais para o crescimento celular. Ainda, a TPN ao incentivar a vasculatura e oxigenação da ferida, viabiliza a depuração da carga bacteriana anaeróbica e a presença de oxigênio, aumentando a função dos neutrófilos e consequente amplificação da resistência à infecção por meio da formação de radicais oxidativos antibactericidas.(4,2,5)


Células estiradas, na presença de mitogênios solúveis, tendem a proliferar e dividir, enquanto células retraídas permanecem quiescentes. Estas últimas assumem forma esférica e acabam por sofrer apoptose. Dessa forma, no microambiente da ferida, criado pela bomba de pressão negativa, há microdeformações que geram tensão nas células e assim estimulam a sua proliferação, ocorrendo estímulos para cicatrização da ferida através da promoção da mitose, angiogênese e produção dos fatores de crescimento. Neste sentido, sabe-se que a angiogênese, por aumentar fluxo sanguíneo no leito da ferida, juntamente com a pressão hipobárica, acelera a formação de tecido de granulação.(7)


Consoante o assinalado, pode-se usar espuma ou gaze como material de interface. Sobre isso, tem sido relatado, pelos trabalhos, que a forma que a cicatrização ocorre pode ser influenciada pela escolha do curativo.8 Dentre as espumas empregadas na TPN, as de poliuretano prevalecem e são preferíveis quando é desejada uma grande quantidade de tecido de granulação. Dois aspectos requerem atenção quando se considera o uso de espumas na TPN. Primeiramente, as espumas possuem significativa elasticidade e isso auxilia na contração da ferida, melhorando a transmissão das forças de sucção ao tecido com consequente drenagem de exsudato. Entretanto, como segundo aspecto, sabe-se que o tecido de granulação usualmente adentra os poros da espuma o que, durante a retirada, pode causar certo incômodo. Considerando o uso de gaze, a disposição de fibras de algodão em camadas na gaze não permite a passagem de tecido de granulação, mas, apesar de ter uma remoção menos dolorosa que a espuma, também tem uma menor contração da ferida devido à inferior elasticidade. Além disso, o tecido de granulação formado abaixo da espuma é espesso, mas frágil, enquanto na gaze é mais fino, porém mais estável. Portanto, a aplicação da gaze torna-se recomendável quando o tecido cicatricial pode restringir movimentos e previamente aos enxertos, enquanto a espuma é preferível em feridas que se beneficiam de um tecido de granulação espesso como feridas de esternotomia, lesões de fasciotomia em síndrome compartimental e feridas agudas com grande perda de tecido.(3)


A pressão subatmosférica pode ser administrada de modo contínuo (nível de pressão e contrações se mantêm constante) ou intermitente (com ciclos programados de interrupção intercalados com os de terapia e as contrações gradualmente aumentam). A terapia contínua é a mais utilizada e induz contração imediata da ferida que se mantém constante durante o funcionamento. O método intermitente resulta em uma rápida formação de tecido de granulação, entretanto, o paciente pode sentir dor, pois a repentina mudança de pressão subatmosférica para atmosférica expande o curativo que se contrai repetidamente sob o tecido de granulação. Uma alternativa a essa brusca mudança é a terapia de pressão variável, que produz uma silenciosa transição entre a pressão subatmosférica e atmosférica, provocando uma dor de intensidade menor enquanto mantém a rápida cicatrização.(8)


A associação da TPN com líquidos, a chamada instilação de soluções, possui ciclos programados de instilação intercalados com ciclos de remoção da solução e ciclos de terapia sendo, principalmente, sugerida quando há infecção de feridas. Essa combinação intensifica a limpeza da ferida por meio da remoção de debris, ajuda no combate de microrganismos ao diluí-los e aumenta a espessura do tecido de granulação que é maior do que na TPN contínua ou intermitente.(9) Todavia, possui pontos negativos como a necessidade de melhor vedação para impedir vazamentos quando está em modo instilatório e de uma troca mais precoce, entre dois a cinco dias, para evitar a saturação do curativo.(22)


No que diz respeito aos dispositivos utilizados na TPN, existem variados modelos de dispositivos, mas, no geral, eles possuem moduladores de pressão que fazem a bomba de vácuo atuar se ajustando e adaptando-se às necessidades da área a ser tratada.(7) Por exemplo, há um aparelho fundamentalmente aplicado na unidade de cuidados intensivos por sua capacidade de remover grandes quantidades de exsudato em feridas extensas e complicadas. Ainda, de grande assistência às feridas infectadas, a aparelhagem de irrigação opcional é capaz de prover líquidos durante o desenvolvimento da cicatriz.


Há dispositivos da TPN que exigem hospitalização do paciente e outros que podem ser aplicados em regime domiciliar.(4) Independente da instalação, recomenda-se a troca dos curativos a cada 48 a 72 horas, pois a utilização sustentada pode resultar em saturação do curativo e diminuição da drenagem do exsudato reduzindo, assim, a efetividade do procedimento.


Indicações da terapia por pressão negativa


Dentre as principais indicações desse método, inclui-se principalmente as feridas complexas, como úlceras por pressão, feridas traumáticas, feridas cirúrgicas (deiscências), queimaduras, feridas necrotizantes, feridas diabéticas, úlceras venosas, feridas inflamatórias, feridas por radiação, entre outras. Além disso, é comumente utilizada em enxertos de pele - para otimizar a integração do enxerto ao leito - abdome aberto, prevenção de complicações (em incisões fechadas) e instilação de soluções (em feridas contaminadas ou infectadas).(4)


A suspensão do procedimento ocorre quando o leito da ferida está apto para uma subsequente cobertura cutânea, seja por enxertos, retalhos ou reconstrução tecidual, ou quando se verifica completa cicatrização e fechamento da ferida.(4)


Nas Úlceras de Pressão (UPP), por exemplo, a aplicação da TPN é utilizada com o intuito de melhorar as condições locais para uma cirurgia reparadora mais tardiamente, visando obter cobertura cutânea definitiva. Esta sequência é válida principalmente nos casos de UPP estágios III e IV do National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP), representadas por feridas mais profundas, com exposição muscular ou óssea.(4) Todavia, tem-se observado que até mesmo feridas de maior complexidade, quando agudas, poderiam ser tratadas apenas pela aplicação da TPN.(10)


Já em feridas traumáticas, a TPN pode promover a cobertura de ossos e tendões expostos por tecido de granulação, o que permite o fechamento da ferida por meio de enxertia de pele e torna desnecessário o emprego de retalhos, com ou sem a utilização de matrizes dérmicas concomitantemente. (11) Em um estudo desenvolvido por Milcheski et al., 178 pacientes com feridas traumáticas foram tratados pelo Centro de Feridas Complexas no período de janeiro de 2010 a dezembro de 2011 e submetidos à terapia por pressão subatmosférica. Os ferimentos descolantes nos membros representaram o tipo de ferida traumática mais comum, sendo responsáveis pela internação de 83 (46,6%) pacientes. O tempo médio de internação hospitalar correspondeu a 17,5 dias e realizou-se 509 procedimentos cirúrgicos (média de 2,9 por paciente). A terapia por pressão subatmosférica foi utilizada em 287 procedimentos, sendo 209 (72,8%) sobre feridas traumáticas e 78 (27,2%) sobre enxertos de pele, com o número de trocas de terapia por pressão negativa por paciente de 1,6 e o tempo médio de utilização 8,5 dias por paciente. Os resultados foram considerados satisfatórios, diminuindo consideravelmente a morbidade e o tempo de cicatrização dessas lesões em comparação com tratamentos anteriormente executados como curativos. (12)


Nas queimaduras de terceiro grau, após adequado desbridamento, a TPN pode ser aplicada como adjuvante no preparo do leito para subsequente enxertia de pele ou como método de otimizar a integração dos enxertos de pele.13 Ademais, pode também ser útil em feridas necrotizantes, caracterizadas pela presença de infecção agressiva de tecidos profundos e que têm seu tratamento baseado no desbridamento amplo e na antibioticoterapia sistêmica.(4)Em 2011, Assenza et al., através de uma revisão da literatura, avaliaram seis pacientes com gangrena de Fournier tratados com TPN. Os autores afirmaram que a TPN acelerou o preparo da ferida, possibilitando uma reconstrução mais precoce. Consequentemente, reduziram-se os dias de hospitalização, o desconforto dos pacientes e o número de medicações. (14)


As deiscências são definidas pela ruptura ou abertura de uma incisão cirúrgica previamente fechada que ocorrem em 1-5% das cirurgias e estão associadas à obesidade, infecção e tensão na linha de sutura. (4) Petzina et al., em 2010, analisaram retrospectivamente 118 pacientes com mediastinite e deiscência de esternotomia após cirurgia cardíaca tratados com TPN (n = 69) ou com terapia convencional (n = 49). Os autores evidenciaram que o grupo tratado pela TPN apresentou redução na taxa de mortalidade (p=0,005) e na taxa de reinfecção esternal (p = 0,008), além de ter uma tendência desse grupo, permanecer menos tempo internado no hospital (p=0,08), reforçando a ideia da TPN como tratamento de primeira linha para infecção de ferida esternal.(15)


Nas feridas em pacientes diabéticos, muitos casos podem evoluir com infecção dos tecidos profundos e gangrena, levando à amputação da extremidade inferior acometida. Considerando a difícil cicatrização em pacientes diabéticos, Armstrong et al. construíram um estudo clínico controlado e randomizado, multicêntrico (em 18 hospitais americanos), que incluiu 162 pacientes diabéticos após amputação parcial do pé, comparando a TPN com o tratamento convencional com cobertura úmida. Os autores verificaram que mais pacientes cicatrizaram no grupo da TPN em relação ao grupo controle (56% x 39%, p = 0,04). A taxa de cicatrização da ferida (baseada no tempo até seu completo fechamento) foi mais rápida no grupo da TPN (p = 0,005), assim como a taxa de formação de tecido de granulação (p=0,002).(16) Também é relevante mencionar que Shukr e Ahmed realizaram, em 2015, um estudo randomizado controlado com 278 pacientes com feridas diabéticas nos pés comparando a TPN com o curativo úmido convencional. Após duas semanas de tratamento, a redução do tamanho da ferida foi significativamente maior no grupo que utilizou a TPN (p < 0,001).(17)


Outro exemplo de relevância para TPN dá-se no contexto das úlceras venosas. As úlceras venosas representam um desafio para terapia convencional, pois têm a capacidade de atingir grandes dimensões, muitas vezes circunferenciais, e possuem baixos índices de fechamento. As úlceras venosas podem permanecer por anos ou décadas, o que causa importante impacto na qualidade de vida do paciente e nos custos do seu tratamento. (18) Em 2012, Egemen et al. aplicaram a TPN em 20 pacientes com úlceras venosas e verificaram uma rapidez no preparo do leito, bem como uma otimização da integração do enxerto de pele realizado subsequentemente. (19) Além disso, Yang et al. (2015) compararam o tratamento de úlceras venosas e demonstraram que a TPN seguida de enxertia de pele parcial foi mais efetiva para o fechamento dessas úlceras do que a terapia compressiva convencional, com custos semelhantes entre os dois tratamentos.(18)


A TPN é também indicada de modo contínuo sobre enxertos de pele com o intuito de melhorar sua aderência ao leito, garantir sua imobilidade e reduzir a formação de seroma ou hematoma, com a finalidade de otimizar a integração do enxerto de pele ao leito da ferida. A espuma de álcool polivinílico é especialmente recomendada nesses casos por ter menor aderência ao leito, facilitando sua remoção no final da terapia.(4) Em 2010, Blume et al. produziram uma revisão retrospectiva de 142 pacientes tratados com enxerto de pele de espessura parcial em cirurgias reconstrutivas de pé e tornozelo. Comparando a TPN com o curativo de reforço convencional, os pacientes que usaram TPN apresentaram maior integração do enxerto (97% x 84%, p = 0,009) e menor necessidade de repetição do enxerto por falha na integração (5% x 16%, p = 0,006).(20)


Nos últimos anos, houve ainda um aumento considerável da aplicação da TPN no fechamento da parede abdominal de pacientes mantidos em peritoniostomia. (4) Como a espuma não pode ficar em contato direto com as vísceras, é necessário a interposição de uma película de proteção. As vantagens do uso da TPN em abdome aberto são a manutenção da integridade da parede abdominal, a prevenção da perda de domínio do abdome sobre seu conteúdo visceral e a remoção do fluido peritoneal. Em 2013, um estudo prospectivo e multicêntrico realizado por Cheatham et al. (2013) incluiu 168 pacientes com abdome aberto, que foram tratados com a TPN específica ou a TPN feita com compressas e usando o sistema de vácuo disponível no leito do paciente (vácuo de Barker). Os autores demonstraram que o uso do V.A.C. foi associado a menor taxa de mortalidade em 30 dias (14% x 30%, p = 0,01) e maior taxa de fechamento primário da parede abdominal (69% x 51%, p = 0,03) quando comparado com o vácuo de Barker. (21)


Por fim, a TPN pode ser usada sobre incisões cirúrgicas fechadas para evitar deiscência ou infecção da ferida operatória, principalmente em pacientes com alto risco de deiscência ou infecção (obesos, diabéticos, tabagistas e em feridas cujas bordas ficaram sob tensão). Além disso, há utilidade da TPN em feridas inflamatórias, feridas por radiação, outras úlceras vasculares (arteriais, isquêmicas e neuropáticas), feridas tunelizadas ou cavitárias (para redução do espaço morto) e sobre matriz dérmica acelular (permitindo sua integração mais precoce ao leito da ferida).(4)


Técnicas experimentais relacionadas à TNP


Diante da miríade de indicações positivas para TPN no tratamento de feridas complexas, diversos estudos vêm sendo desenvolvidos com o intuito de demonstrar as vantagens e expandir as indicações para emprego da TNP. Como exemplo, tem-se uma análise retrospectiva dos prontuários de pacientes com feridas complexas no períneo, causadas por traumatismos, atendidos no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2012 na Disciplina de Cirurgia Plástica (HC-FMUSP), onde foram consideradas feridas traumáticas complexas do períneo. As feridas apresentavam perdas extensas do revestimento cutâneo da região perineal em associação com um ou mais dos seguintes achados: fraturas na pelve, exposição óssea, lesão na uretra, lesão anorretal ou nos genitais (lesão peniana, vaginal ou exposição de testículo). O tempo médio de utilização do sistema de pressão negativa foi 25,9 dias e as trocas de curativos foram realizadas a cada quatro/seis dias. Dentre as vantagens encontradas estavam a diminuição do edema local, manutenção do ambiente úmido e livre de debris, aumento da vascularização sanguínea local e diminuição da colonização bacteriana na ferida. Por ser um material confortável para o paciente, diminuiu a dor na ferida entre as trocas de curativos. Após a TPN, foram realizados 11 retalhos locais em nove pacientes, com o retalho fáscio-cutâneo anterolateral da coxa utilizado em quatro destes pacientes.(22)


Outro estudo retrospectivo de série de casos foi elaborado por Jones et al. (2016), onde incluiu-se 20 pacientes (17 homens e três mulheres e média de 42 anos) com feridas infectadas tratadas pela TPN. As feridas infectadas, em sua maioria, foram de causa traumática. O sistema de pressão a vácuo utilizado foi o VAC® (Vacuum Assisted Closure, KCI, San Antonio, Estados Unidos), aplicado à ferida em modo contínuo na ordem de 100 a 125 mmHg. Na casuística, os parâmetros relacionados à ferida (localização, quantidade de trocas do VAC, tamanhos dos defeitos de partes moles, evolução do grau da ferida), o tempo de internamento, o tempo de antibioticoterapia venosa e as complicações relacionadas ao uso da terapia foram avaliados. O tempo médio de internamento, uso da terapia a vácuo e antibioticoterapia foram, respectivamente, de 41, 22,5 e 20 dias. O uso do VAC promoveu uma redução média da área das feridas de 29% (95,65 cm2 para 68,1 cm2; p < 0,05). Apenas um paciente não obteve melhoria do aspecto final da ferida, com erradicação completa da infecção. Nenhuma complicação atribuída diretamente ao uso da TPN foi observada. Concluiu-se que através da TPN, a formação de um tecido de cicatrização ausente de infecção local num curto intervalo de tempo foi facilitada, representando uma opção rápida e confortável aos métodos convencionais no tratamento de feridas infectadas.(23)


 


DESVANTAGENS E PRECAUÇÕES


A técnica de TPN apresenta poucas desvantagens. Dentre elas estão os maus cheiros consequentes da degradação das esponjas pelo exsudado da ferida e a possível infecção persistente em áreas de difícil acesso e que não estão em contato direto com a esponja. As principais contraindicações envolvem osteomielite sem tratamento, feridas malignas (exceto como cuidados paliativos), fístulas não exploradas, órgãos expostos, vasos sanguíneos ou estruturas maiores, escaras com presença de tecido necrótico, patologia arterial periférica severa e cavidades que não se podem explorar. (24)


Algumas precauções são fundamentais para a TPN. Deve-se sempre registrar a quantidade de espuma usada na ferida, uma vez que se tal exigência não for seguida, o próximo profissional a trocar o curativo, por falta de conhecimento dessa informação, pode acabar levando a uma retenção de espuma na ferida do paciente.(25) Quando o procedimento é aplicado ao redor de uma área com vasos ou órgãos expostos, é necessário envolver estes pontos descobertos com uma espessa camada de tecido natural ou múltiplas camadas de curativo não aderente, já que existem casos documentados de sangramentos nessas áreas durante a TPN. No mais, é imprescindível destacar que a técnica retratada não substitui um adequado desbridamento ou métodos de reconstrução como o enxerto de pele, de forma que se um ferimento extenso não está sendo solucionado pela TNP, devem-se considerar outros procedimentos.


 


CONCLUSÃO


Desde a sua introdução no tratamento das feridas complexas, a Terapia por Pressão Negativa (TPN) vem ganhando destaque e se tornando um método adjuvante bem estabelecido. Entretanto, ainda é fonte de dúvidas para muitos médicos, apesar dos inúmeros benefícios trazidos com o seu uso, os quais têm sido amplamente documentados pela literatura científica. Trata-se de uma técnica simples, segura quando empregada de forma devida, de fácil aplicação e bem tolerada pelos doentes, com baixas complicações e que proporciona altas precoces e economiza recursos, já que aumenta o sucesso do processo cicatricial. O conhecimento detalhado dos seus mecanismos de ação e das suas indicações e contraindicações racionalizam seu uso, levando a desfechos extremamente positivos e eficazes no tratamento final das mais variadas feridas. Ressalta-se, ainda, a importância da continuidade de mais estudos e relatos acerca do tema com a finalidade de ampliar a compreensão quanto às suas melhores formas de aplicação e às possíveis vantagens fornecidas aos pacientes.


 


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