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Artigos Originais

O Transplante da medula óssea na doença falciforme: uma revisão sistemática

Bone Marrow Transplantation in Sickle Disease: A Systematic Review

Jordanna Stefanny Matos

Graduada em Farmácia e Bioquímica. Especialização pela Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, FCMS/JF, Brasil. E-mail: jordannamatos8@hotmail.com

Recebido em 09/02/2021
Aceito em 30/05/2021

Resumo

INTRODUÇÃO: Anemia falciforme é uma doença hereditária caracterizada pela alteração dos glóbulos vermelhos do sangue, tornando-os parecidos com uma foice, dando origem ao nome falciforme. Essas células têm sua membrana alterada e se rompe com facilidade, causando anemia.

OBJETIVOS: O objetivo deste artigo foi verificar por meio de uma revisão sistemática sobre as taxas de sucesso pós-transplante de medula óssea, a fim de buscar a cura da doença.

MÉTODOS: Foram analisados os mais relevantes estudos na base de dados Pubmed, sendo contemplados somente artigos sobre transplante de medula óssea e tratamentos na doença falciforme.

RESULTADOS: Fizeram parte do escopo desta revisão artigos que não demonstraram haver controversa nos resultados em relação ao transplante de medula, tendo boa eficácia na redução dos sintomas, sendo o melhor tratamento de escolha.

CONCLUSÃO: Ainda faltam evidências científicas sobre transplante de medula óssea, por ser um tratamento de difícil acesso, pois não há facilidade de achar um doador totalmente compatível, porém em relação aos outros tipos de tratamento, observa-se melhor eficácia para cura desta doença.

Palavras-chave: Anemia falciforme; Transplante de medula óssea; Comportamento da doença.

 

INTRODUÇÃO


A doença falciforme se manifesta em indivíduos homozigotos para hemoglobina S. e em combinação para outras hemoglobinas anormais, o que pode resultar em doença falciforme com diversos graus de gravidade. Seu diagnóstico é feito através da eletroforese de hemoglobina (1).


O gene da hemoglobina S. é um gene de alta frequência em toda a América e, no Brasil, é mais frequente nas regiões sudeste e nordeste. Na África equatorial quarenta por cento da população é portadora, e a doença falciforme atinge uma prevalência de 2 a 3 %. Chega a acometer até 0,3 % da população negra, com a tendência de atingir cada vez mais uma significativa população, devido ao alto grau de miscigenação no país(1). O processo de anemia se desenvolve quando a massa eritrocitária é insuficiente para efetuar o transporte de oxigênio, devido à redução dos níveis de hemoglobina, do hematócrito ou do número de eritrócitos(2). A hemoglobina é uma molécula responsável pelo processo de oxigenação dos tecidos, constituída por quatro subunidades, cada uma é formada por uma molécula de proteína associada a um grupo da porção heme(3).


Eritrócitos normais são maleáveis e bicôncavos. No caso dos indivíduos que possuem a HbS, a falcização destas células impedem a correta circulação sanguínea através dos pequenos vasos, podendo ocasionar processos de vaso-oclusões. Além disso, devido à aumentada susceptibilidade de hemólise, estas células anormais têm um ciclo de vida menor (10 a 20 dias), quando comparado aos eritrócitos normais (120 dias)(4). Cerca de 1200 mutações naturais são conhecidas e mutações novas nos genes que codificam a hemoglobina estão continuamente sendo descobertas, a maioria dessas mutações são clinicamente insignificantes, porém uma destas mutações causa a anemia falciforme, que é uma das doenças hereditárias mais prevalentes e com maior taxa de morbidade e mortalidade(5).


Diante de todas essas debilidades, a única chance de cura efetiva é o Transplante de Medula Óssea, (TMO). Segundo(6-2), o transplante de medula óssea halogênico é aceito como tratamento para crianças sintomáticas. Inicialmente, pacientes elegíveis para o TMO eram aqueles que demonstravam danos cerebrais devido a Acidentes Vasculares Cerebrais AVCs, síndrome torácica aguda e crises álgicas recorrentes(6). Contudo, com os resultados positivos para esse grupo, o TMO passou a ser indicado para grupos de pacientes que demonstram menor severidade em seus históricos clínicos(7).


O Transplante de células consiste na substituição de uma medula óssea, podendo ser autogênico, quando as células a serem transplantadas provêm do próprio indivíduo que irá ser submetido ao transplante ou halogênico ,quando as células provêm de um doador(7). A discussão da indicação deste tratamento para pessoas com doença falciforme se iniciou em 2004, com a realização do I Fórum Nacional do Sistema Nacional de Transplantes, realizado em Brasília.


No cenário brasileiro, os transplantes de medula óssea foram incluídos como método curativo para pacientes com doença falciforme a partir da Portaria nº 30, de 30 de junho de 2015, por meio da qual se tornou pública a decisão de implementação de TMO no âmbito do Sistema Único de Saúde para tratamento da doença falciforme(8).


 


OBJETIVO


Sabendo da necessidade da análise dos fatores que podem indicar o transplante de medula óssea para pacientes com doença falciforme, o objetivo do presente estudo foi identificar, por meio de uma revisão sistemática, a taxa de sucesso pós-transplante de medula óssea.


 


MÉTODOS


Estratégias de Pesquisa


Foram analisados os mais relevantes estudos publicados orginalmente em inglês, tendo como referência as bases de dados PubMed e Scielo. Com objetivo de selecionar os estudos de maior evidência científica, contemplando somente as revisões sistemáticas de artigos.


A estratégia de busca utilizou as seguintes palavras-chave: “sickle cell anemia; transplant; boné marrow; “sckle cell disease”. Os critérios de escolha dos artigos foram aplicados nos tipos de estudos, idioma, tipo de tratamento data de publicação.


Para a seleção dos estudos foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão apresentados no quadro 1.


 



 


RESULTADOS


Foram identificados diversos estudos envolvendo o transplante de medula óssea na doença falciforme. Após a leitura dos artigos encontrados, foram selecionados quatro artigos envolvendo a temática para análise e inclusão no escopo desta revisão. A figura 1 apresenta o fluxograma utilizado para seleção dos artigos analisados.


 


METANÁLISE


Apenas quatro dos dez estudos incluídos nesta revisão forneceram dados suficientes para analisar o transplante de medula óssea, conforme a tabela 1.


 



 


A discussão sobre o Transplante de Medula Óssea (TMO), para pessoas com doença falciforme está cada vez mais ocupando espaço em cenários acadêmicos e políticos. A despeito da doença já ser estudada desde 1910 ainda temos muitas lacunas que devem ser exaustivamente analisadas, uma delas se associa à nova forma de cura da doença, o transplante(9).


Para essa pesquisa, foram avaliados artigos com pessoas de diversa idade para o Transplante de Medula Óssea (TMO), que procuram o mesmo objetivo, a cura da doença(10-1-12-13).


Isgro ,analisou 37 pacientes, submetidos ao Transplante de Medula Óssea, sendo os doadores irmãos idênticos nascidos entre 2010 e 2015. Os pacientes foram encaminhados para o Instituto Mediterrâneo de Hematologia para a realização do transplante de medula(10). A média de idade dos pacientes foi de 10 anos. Todos os 37 pacientes tiveram enxerto sustentado após transplante. Depois de 3 a 6 meses após o procedimento não foram encontrados alterações nos valores de espirometria. Quatro dos nove pacientes permaneceram inalterados os padrões respiratórios. Três pacientes obtiveram agravamento, devido ao pós-transplante, devido a complicações infecciosas e complicações pulmonares(10).


Segundo(11) sobre a realização da investigação multicêntrica do transplante de medula óssea em crianças com doença falciforme, em 27 centros de transplante europeus e norte americano, cinquenta e nove pacientes com idade variada em média de 10-11 anos, receberam o transplante de medula de irmãos idênticos entre setembro de 1991 e abril de 2000. Nenhum paciente apresentou eventos dolorosos ou outras complicações clínicas relacionadas à doença falciforme após transplante(11). Os pacientes com células falciformes que desenvolvem quimerismo hematopoiético misto persistente após o transplante experimentam um efeito significativo de melhora.(11).


A autora Rafaella(12) descreveu um artigo sobre a anemia falciforme em crianças de três anos com sca recorrente, hipoperfusão do pulmão esquerdo, hemólise leve e elevação pressentida TRV. Utilização do medicamento Hidroxiureia usado para o tratamento de doença falciforme, aumentando a hemoglobina e diminuindo o número de crises causado pela doença. Nenhum paciente apresentou eventos dolorosos ou outras complicações clínicas relacionadas à doença falciforme após transplante.


Segundo o autor(13) todos os pacientes não apresentaram eventos dolorosos ou outras complicações clínicas após o transplante. Walter realizou uma investigação de Transplante de Medula Óssea em crianças com doença falciforme em 27 centros de transplantes europeus e norte-americanos , cinquenta e nove pacientes com média de idade de 10 anos receberam o transplante de medula óssea de irmão idênticos entre setembro de 1991 e abril de 2000(13). De acordo com uma pesquisa(14) com pacientes com anemia falciforme, o transplante de medula obteve um resultado positivo. O transplante de medula se tornou um dos promissores tratamentos de alternativa eficaz à pacientes com anemia falciforme. Apresenta vantagens e desvantagens aos pacientes, porém é o único meio que pode possibilitar a cura. Entretanto, o número de pacientes já transplantados apesenta uma taxa de 77% de cura e apenas 23 % de óbito (14). O único tratamento curativo para pacientes com doença falciforme é o transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH). Transplantes mieloablativos com doador HLA idêntico proporcionam uma sobrevida livre de doença de 80%-85% em pacientes com doença avançada e grave(14). Os transplantes não-mieloablativos têm toxicidade relacionada ao tratamento menor quando comparados aos mieloablativos, porém cursam com maior índice de rejeição do enxerto e recidiva da doença. Os transplantes não relacionados e com sangue do cordão umbilical podem ser uma alternativa para pacientes gravemente acometidos e que não disponham de doador relacionado(14). Enquanto não se definirem os fatores de risco para uma evolução mais grave da doença, e a ausência de trabalhos prospectivos e randomizados comparando hidroxiureia, transfusão crônica e Transplante de Medula Óssea, o tratamento ainda é individualizado e as decisões devem ser compartilhadas com os pacientes e familiares quanto à preferência por determinada terapêutica(14).


Quando trabalhamos com dados de pessoas com doença falciforme, esta estatística pode-se tornar mais preocupante, já que, segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 30 mil pessoas têm doença falciforme e estima-se que, segundo o Programa de Triagem Neonatal, 3,5 mil crianças nasçam com a doença falciforme por ano. Usando a matemática básica, podemos dizer que por ano, tornam-se necessários pelo menos 350 mil doadores de medula óssea para que possa ser feito o TMO nestas crianças(15). Para aqueles que não encontraram um doador compatível, existe sempre a possibilidade, apesar de pequena, de serem usadas células-tronco hematopoiéticas. Diversos estudos apontaram este uso como benéfico, com taxas de sobrevivência semelhantes ao do TMO e com riscos de desenvolvimento de doenças relacionadas bem menores(16). Existe ainda a possibilidade de adequação do condicionamento para o transplante, mas esta alternativa ainda está sendo discutida em grupos de pesquisa que buscam utilizar as variantes de cada caso como uma hipótese de esperança para outras pessoas(16).


Diante desta realidade, torna-se necessário que seja feita uma análise individual de cada paciente, estudando seu histórico e a possibilidade de evitar que sejam tomadas decisões precipitadas(16). Além disso, é preciso que sejam empenhados mais grupos de pesquisas com o objetivo de desenvolver uma melhoria na sobrevida das pessoas que possivelmente irão passar pelo transplante (13-14-15-16).


Com todos esses pontos importantes que definem a possibilidade de sucesso do tratamento, temos ainda a nova decisão do Ministério da Saúde que, a partir do dia 9 de fevereiro de 2018, por meio da Portaria nº. 298, ampliou a faixa etária das pessoas com doença falciforme para serem candidatas ao transplante(17). Em uma das pesquisas mais recentes realizadas pelo Dr. Ricardo Helman, de 2010 a 2016 foram realizados nove transplantes, tendo como resultados 7 pacientes curados e apenas 2 óbitos. Já em termos porcentuais, há mais chances de obter total eficácia no transplante do que ocorrerem fatores predispostos a complicações ou morte(18).


 


CONCLUSÃO


O transplante de medula óssea se tornou um dos tratamentos de alternativa mais eficaz para os pacientes com anemia falciforme. Como todos os métodos de tratamento, ele apresenta vantagens e desvantagens para o paciente, porém diante de vários estudos, é o único método que pode proporcionar a cura. Em pouco tempo se tornou acessível ao SUS (Sistema Único de Saúde), porém ainda enfrenta um grave problema, que é achar um doador compatível para a realização do transplante.


 


REFERÊNCIAS


1. Nuzzo DVP, Fonseca SF. Anemia falciforme e infecções. J Pediatr 2004; 80(5):347-54.


2. Hermiston ML, Mentzer WC. A practical approach to the evaluation of the anemic child. Pediatr Clin North Am 2002; 49(5):877-91.


3. Santos JL, Chin CM. Anemia falciforme: desafios e avanços na busca de novos fármacos. Quim Nova 2012; 35(4)783-90.


4. Zago MA, Costa FF, Ismael SJ, Bottura C. Enfermedades drepanocíticas en una población brasileña. Sangre 1983; 28:191-8.


5. Galiza Neto GC, Pitombeira MS. Aspectos moleculares da anemia falciforme. J Bras Patol Med Lab 2003; 39(1):51-6.


6. Vichinsky E, Hurst D, Earles A, Kleman K, Lubin B. Newborn screening for sickle cell disease: effect on mortality. Pediatrics 1988; 81(6):749-55.


7. Steinberg MH, Barton F, Castro O, Pegelow CH, Ballas SK, Kutlar A, et al. Effect of hydroxyurea on mortality and morbidity in adult sickle cell anemia: risks and benefits up to 9 years of treatment. JAMA 2003; 289(13):1645-51.


8. Ministério da saúde. Portaria nº 30, de 30 de junho de 2015. Avaiable from: URL:http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sctie/2015/prt0030_30_06_2015.html. Accessed October 19, 2019.


9. Isgro A, Marziali M, Paciaroni K, De Angelis G, Alfieri C, Ribersani M, et al. Spirometric Evaluation of Pulmonary Function in Nigerian Children underwent Bone Marrow Transplantation for Sickle Cell Anemia. Mediterr J Hematol Infect Dis 2017; 9(1):e2017030.


10. Iannone R, Luznik L, Engstrom LW, Tennessee SL, Askin FB, Casella JF, et al. Effects of mixed hematopoietic chimerism in a mouse model of bone marrow transplantation for sickle cell anemia. Blood 2001; 97(12):3960-5.


11. Colombatti R, Varotto E, Ricato S, Nardo D, Maschietto N, Teso S, et al. Tricuspid regurgitant velocity elevation in a three-year old child with sickle cell anemia and recurrent acute chest syndromes reversed not by hydroxyurea but by bone marrow transplantation. Hematol Rep 2011; 3(2):e12.


12. Walters MC, Patience M, Leisenring W, Rogers ZR, Aquino VM, Buchanan GR, et al. Stable mixed hematopoietic chimerism after bone marrow transplantation for sickle cell anemia. Biol Blood Marrow Transplant 2001; 7(12):665-73.


13. Pacheco DF, Pereira LFF, Paiva JL. Bone marrow transplantation in patients with sickle cell anemia. Avaiable from: URL: https://www.fef.br/upload_arquivos/geral/arq_5ad0b780d333d.pdf. Accessed October 19, 2019.


14. Felix AA, Souza HM, Ribeiro SBF. Aspectos epidemiológicos e sociais da doença falciforme. Rev Bras Hematol Hemoter 2010; 32(3):203-8.


15. Costa LJ, Domínguez AGD, Montagner MI, Montagner MA. Transplante de medula óssea em pessoas com doença falciforme: uma revisão bibliográfica. Hegemonia 2019; (27)30:74-104.


16. Ministério da Saúde. Portaria nº 298, de 9 de fevereiro de 2018. Avaiable from:URL:https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2018/prt0298_19_02_2018.html. Accessed October 19, 2019.


17. Helman R. Transplante de medula óssea em anemia falciforme. Palestra do XX Congresso da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea. Avaiable from: URL: https://youtu.be/tBeFXIAb6wU. Accessed Oct 19, 2019.

 

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