Análise epidemiológica da dor musculoesquelética em pacientes internados com Covid-19
Epidemilogical Analysis Of Musculoskeletal Pain In Hopitalized Patients With Covid-19
Vinícius de Carvalho Pinto1; Lucas Pinto Salles Dias2; Carlos Rocha Oliveira3
1. Estudante - Interno de Medicina. E-mail:
2. Mestre - Docente Universidade Anhembi Morumbi. E-mail:
3. Doutor - Docente Universidade Anhembi Morumbi. E-mail:
Recebido em 10/04/2021
Aceito em 08/08/2021
Resumo
INTRODUÇÃO: A COVID-19 é uma doença causada pelo vírus SARS-CoV-2 e apresenta um espectro clínico variado, sendo um dos sintomas da doença a dor musculoesquelética, que pode gerar grande sofrimento ao paciente, principalmente se evoluir para forma crônica ou persistente. Por isso, há necessidade de mais investigações que promovam maior conhecimento sobre essa infecção.
OBJETIVO: Realizar a análise da incidência e as características da dor musculoesquelética nos pacientes que foram infectados pelo SARS-CoV-2 para relacioná-las com o tempo de internação, idade e sexo.
METODOLOGIA: Estudo observacional longitudinal, realizado na enfermaria do setor COVID-19 do Hospital Municipal de São José dos Campos (HMSJC) - SP, com início em setembro de 2021 e término em dezembro de 2021. A coleta de dados foi realizada através de uma ficha de avaliação, aplicada aos pacientes internados que tiveram relato de dor musculoesquelética pós-infecção pelo SARS-CoV-2.
RESULTADOS: A incidência de dor musculoesquelética de 25% de todos os pacientes internados, com média de idade de 50,65 anos, sendo a maioria do sexo masculino. O tempo de internação médio foi menor que uma semana, com predomínio de dor em dorso e com intensidade média de sete na Escala Visual Analógica (EVA).
CONCLUSÃO: A dor musculoesquelética possui relevante importância na prática clínica da infecção resultante pelo SARS-CoV-2. Dessa maneira, a doença precisa ser diagnosticada e tratada, pois pode evoluir para cronificação, com impacto na qualidade de vida dos indivíduos.
Palavras-chave: Dor musculoesquelética; Coronavírus; Dor.
INTRODUÇÃO
Os coronavírus são uma enorme família de vírus comuns em muitas espécies de seres vivos, como o MERS-CoV e SARS-CoV, capazes de causar diferentes tipos de infecções. Contudo, na literatura ao longo dos anos, raramente foram descritas manifestações nos humanos, até que, recentemente em dezembro de 2019, houve a transmissão de um novo tipo de coronavírus (SARS-CoV-2), o qual foi identificado em Wuhan na China e ficou conhecido a partir de então mundialmente como causador da COVID-19(1), devido ao cenário pandêmico. Essa doença, a COVID-19, foi disseminada rapidamente e transmitida de uma pessoa infectada com o vírus para outra pessoa não infectada, por contato próximo por meio de gotículas de saliva, espirros, tosse, catarro, aperto de mãos, objetos e superfícies contaminadas, até atingir o cenário de pandemia (2) e tornar-se motivo de atenção com consequências em caráter mundial.
A COVID-19, apresenta um espectro clínico variado, o que pode estar relacionado com comorbidades prévias, fatores socioambientais e suscetibilidade genética (3). Além disso, a infecção pode variar de quadros clínicos assintomáticos a graves, podendo necessitar de atendimento hospitalar (2,3). Nisso, destaca-se a dor musculoesquelética, um sintoma de grande incidência que pode ocorrer em diferentes regiões do corpo e que pode gerar grande sofrimento ao paciente (2). Diante disso, com o passar dos meses durante a pandemia, cada vez mais as evidências surgiram evidenciando que a COVID-19 está associada à mialgia, dor referida e hiperalgesia, além de que, a chamada ‘’era COVID’’ favorece o modelo psicossocial da dor, que é multifatorial, envolvendo o dano biológico da doença, psicológico e social de cada indivíduo. Tudo isso, ocasionando impactos severos em qualidade de vida e atividade de vida diária em muitas pessoas acometidos pela doença (3).
Assim, são necessárias cada vez mais investigações em diferentes aspectos relacionadas à COVID-19, com o intuito de compreender mais sobre essa doença de caráter mundial com o objetivo de minimizar os impactos dos sintomas na saúde e na qualidade de vida das pessoas acometidas com o vírus. Por isso, houve o surgimento dessa pesquisa, cujo intuito consiste em avaliar incidência e epidemiologia da dor musculoesquelética em pacientes internados com diagnóstico de COVID-19, visando contribuir com dados capazes de auxiliar na compreensão dos efeitos clínicos dessa nova doença.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional longitudinal, realizado na enfermaria do setor COVID-19 do Hospital Municipal José de Carvalho Florence em São José dos Campos (HMJCF) - SP, com início em setembro de 2021 e término em dezembro de 2021. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Anhembi Morumbi (Parecer: 4.961.046). Os critérios de inclusão da pesquisa são pacientes internados na enfermaria com diagnóstico positivo de COVID-19, de ambos os sexos, com idade maior ou igual a 18 anos e com sintoma de dor musculoesquelética. Por sua vez, os critérios de exclusão são pacientes que não apresentam dor musculoesquelética, ou seja, em caso de o paciente infectado entrevistado não apresentar o sintoma alvo da pesquisa, esse era excluído do estudo, além de não detrimento de capacidade cognitiva para responder às perguntas da avaliação, soado ainda a pacientes com suspeita de infecção ou mesmo possuir sintomas, mas que apresentassem teste negativo para COVID-19.
Para a realização dessa pesquisa foram feitas visitas semanais na enfermaria COVID-19 do HMSJC em busca ativa por pacientes que possuíssem o sintoma de dor musculoesquelética associada à infecção pelo coronavírus, o que foi feito por meio da aplicação de uma ficha de avaliação desenvolvida para a coleta dos dados com os tópicos: sexo, idade, ocupação, comorbidades, tempo de internação hospitalar, necessidade de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), intensidade da dor referida através da Escala Visual Analógica (EVA), característica subjetiva da dor, local da dor e sintomas gerais associados à internação. Esses dados coletados foram organizados, por meio de tabulação no Excel, extração de dados epidemiológicos, médias e desvio padrão. Todos os participantes foram entrevistados após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
RESULTADOS
Diante de todos os participantes entrevistados (80 pacientes), foi observada uma incidência de 25% de dor musculoesquelética (20 pacientes), (Gráfico 1). A média de idade dos participantes com dor musculoesquelética foi de 50 anos, sendo 75% (15 participantes) do sexo masculino e 25% do sexo feminino (cinco participantes). O tempo médio de internação hospitalar foi de cinco dias e dois pacientes com o sintoma alvo (10%), após piora do quadro respiratório, necessitaram de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e evoluíram a óbito (Tabela 1). A intensidade da dor, avaliada pela Escala Visual Analógica (EVA), teve um valor médio de sete em um total de 10 pontos e a região que foi observada a maior incidência de dor foi na porção das pernas com oito do total de casos registrados. Dos demais participantes com o sintoma alvo, sete apresentaram dor no dorso e seis desses sete indivíduos relataram a porção lombar como o principal ponto doloroso. Outros dois pacientes relataram dor muscular generalizada e não associada à febre e apenas um relatou dor na região plantar, havendo outro único indivíduo com queixa de dor na nuca (Gráfico 2).
DISCUSSÃO
Após mais de dois anos de pandemia, pesquisadores buscam aumentar o entendimento dos sintomas relacionado à infecção por COVID-19. Em uma metanálise (4) publicada em 2020, informações mostram que a prevalência de dor musculoesquelética foi de 19% e que essa mialgia, por ser um sintoma menos conhecido como possibilidade da COVID-19, muitas vezes não é percebida pelas pessoas, que acham que não estão com a doença (4). Os dados da nossa pesquisa observacional longitudinal demonstram prevalência semelhante à metanálise citada, sendo que ainda foi realizado dissociação das regiões do corpo para análise mais específica da dor musculoesquelética e do local de maior acometimento. A região de maior incidência da mialgia foi o dorso, o que é semelhante ao que a literatura tem demonstrado.
Outros dados significativos de um diferente estudo que acompanhou 3762 pacientes em sete meses evidenciam que, desses, 1747 (46%) ainda tinham algum sintoma persistente, estando a dor muscular presente em mais de 50% dos casos com mialgia crônica (5).
Huang et.al.(6) publicaram em 2021 um acompanhamento de pacientes em pós-COVID-19 e 628 (63%) dos indivíduos avaliados de um total de 997 apresentavam fadiga persistente e 239 (24 %) a partir de realização de teste de caminhada de 6 minutos, apresentaram desempenho com distância inferior ao limite inferior do resultado esperado, o que é alarmante para o prognóstico do paciente e a dor musculoesquelética é uma das principais causas desta diminuição da capacidade de realização do teste de caminhada. Além disso, muitos dos participantes desta pesquisa (Huang et.al.) (6) ainda apresentavam mialgia, próximo do momento da alta hospitalar, o que torna necessário acompanhamento desses indivíduos por um maior período visto que essa parcela da população irá precisar de assistência futura na atenção primária à saúde para controle dessa condição persistente. Por isso, esse nível de atenção à saúde precisa estar qualificado e preparado para absorver e atender de maneira eficiente essa demanda de pacientes.
Há ainda outro estudo relevante para desenvolver análises com a nossa pesquisa que, por meio de acompanhamentos de pacientes com dor musculoesquelética pós-COVID-19, sua análise demonstra que 12% do total dos indivíduos ainda não havia retornado ao trabalho (7), um dado alarmante, pois há um impacto significativo na vida dos pacientes e na economia de um país.
CONCLUSÃO
A dor musculoesquelética, principalmente nos pacientes pós-infecção pelo SARS-CoV-2, possui sua importância na prática clínica, precisando ser diagnosticada e tratada o quanto antes, pois pode evoluir para cronificação, gerando impacto direto na qualidade de vida dos indivíduos.
Diante disso, e por se tratar de uma doença nova se comparada às demais conhecidas pela literatura, ainda são necessários maiores estudos a respeito da fisiopatologia geral e da dor musculoesquelética associada à COVID-19. Esse conhecimento torna-se de suma importância, haja vista a capacidade de impacto em longo prazo na sociedade e na economia de um país, com potencial de se tornar um problema grave principalmente na atenção primária à saúde.
Somado a isso, o não retorno ao trabalho e às atividades de vida diárias antes do acometimento pela doença devido à dor musculoesquelética, possui grande potencial de impacto na qualidade de vida desses indivíduos, pois pode gerar novos problemas ao paciente, sejam físicos, sociais ou psicológicos.
REFERÊNCIAS
1. Yüce M, Filiztekin E, Özkaya KG. COVID-19 diagnosis -A review of current methods. Biosens Bioelectron. 2021 Jan 15; 172:112752. doi: 10.1016/j.bios.2020.112752.
2. Umakanthan S, Sahu P, Ranade AV, et al. Origin, transmission, diagnosis and management of coronavirus disease 2019 (COVID-19). Postgrad Med J. Dec 2020;96(1142):753-758. doi:10.1136/postgradmedj-2020-138234.
3. El-Tallawy SN, Nalamasu R, Pergolizzi JV, Gharibo C. Pain Management During COVID-19 Pandemic: A Review. Pain Ther. 2020 Dec; 9(2): 453-466 doi:10.1007/s40122-020-00190-4.
4. Abdullahi A., Candan S. A., Abba M. A., Bello A. H., Alshehri M. A., Afamefuna V E., et al. Neurological and musculoskeletal features of COVID-19: A systematic review and meta-analysis. Front.Neurol. 2020 Jun 11:687 doi:10.3389/fneur.2020.00687.
5. Davis HE, Assaf GS, McCorkell L et al. Characterizing long COVID in an international cohort: 7 months of symptoms and their impact. EClin. Med. 2021 Jul https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2021.101019.
6. Huang C, Huang L, Wang Y. 6-month consequences of COVID-19 in patients discharged from hospital: a cohort study. Lancet. 2021 Jan 16;397(10270):220-232. doi: 10.1016/S0140-6736(20)32656-8.
7. Huang L, Yao Q, Gu X, Wang Q, 1-year outcomes in hospital survivors with COVID-19: a longitudinal cohort study. Lancet. 2021 Aug 28;398(10302):747-758. doi: 10.1016/S0140-6736(21)01755-4. Erratum in: Lancet. 2022 May 7;399(10337):1778.